“A interação com o outro é complexa devido à singularidade de cada um. E, nas relações familiares, ainda entra a posse: acreditamos que, para nos amar, a outra parte tem que atender aos nossos desejos – que, muitas vezes, não sabemos nem quais são. Quando isso não ocorre, interpretamos como desamor”, analisa Araceli Albino, psicóloga e psicanalista, presidente do Sindicato de Psicanalistas do Estado de São Paulo. Equilibrar tais sentimentos requer muita determinação e amadurecimento emocional.
Que fique claro: o conflito faz parte da existência humana. E a razão disso é que, por sua natureza, o homem busca o prazer e a realização de seus desejos, o que nem sempre é possível porque vive em comunidade, submetido a leis sociais. A família é o primeiro núcleo que conhece, a base para nortear seus afetos e o caminho para adquirir uma estrutura forte ou frágil, o que lhe permitirá resolver suas questões com mais ou menos facilidade.
“É na família que acontecem nossos primeiros relacionamentos, o lugar onde ‘treinamos’ os papéis que irão nos servir no mundo lá fora. Isso torna as relações muito intensas”, reflete Marília Castello Branco, psicóloga dos setores de adolescentes e mulheres do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O importante é tentar solucionar os problemas com coerência. E entender que, se o outro não está a nosso favor, não significa que está contra nós. Amadurecer é aceitar que nem sempre será ‘do nosso jeito’”, completa Araceli Albino.
Até que ponto brigar, se desentender em família, é normal? Conforme ressaltam os terapeutas, tudo que é extremado não é saudável. Então, o ideal é tentar conduzir a resolução das questões com respeito, percebendo o que é nosso e o que é do outro, sem projetar os próprios problemas no cônjuge, nos pais, nos filhos. “A projeção é um mecanismo de defesa psíquica. Por meio dela, levamos para fora o que é ruim em nós, geralmente acusando o outro de características e sentimentos que na verdade são nossos”, explica a psicanalista.
Para a boa convivência, é essencial que cada um perceba seus pontos positivos e negativos, assumindo sua parte e deixando que o diálogo se estabeleça. “Sem conversa, não se resolve nada. A linguagem é a melhor forma de comunicação, e é por aí que temos de trabalhar as dificuldades.”
De fato, os conflitos são necessários para que se chegue a um consenso. Marília Castello Branco observa que há famílias com mais diferenças entre os membros, o que faz com que as adversidades e os impasses sejam mais explícitos. A questão é que nem todas as pessoas são capazes de voltar atrás, reconhecer seus erros, batalhar para mudar interna e externamente. “Fazer de conta que os problemas não existem, deixá-los de lado, pode ser prejudicial, pois podem surgir mais fortes no futuro. Há histórias que se prolongam durante anos, às vezes por gerações, sem serem resolvidas.”
Ela lista as características e habilidades que todos devem desenvolver para melhorar a convivência: tolerância, paciência, empatia e capacidade de se colocar no lugar do outro. “Na outra extremidade, prejudicam a intolerância, o egocentrismo, ser excessivamente controlador e não ter consideração com as necessidades alheias.”
Definição de papéis é fundamental
Em família, temos um dado a nosso favor: o amor. “A melhor forma de estabelecer um bom relacionamento é o respeito sustentado pelo afeto amoroso”, diz Araceli Albino, enfatizando a importância de que cada um ocupe seu lugar e tenha seu papel bem definido.
Nesse sentido, o pai tem a função de fazer valer a lei – a lei que protege, ampara, coloca limites; a mãe abarca uma posição mais protetora, mediadora, cuidadora; e o filho deve entender que tem regras a cumprir, que não é um ‘vale tudo’. “Quando falamos em ‘pai’, pode ser qualquer membro que faça a lei funcionar. O importante é que o núcleo consiga estabelecer as normas com clareza, firmeza e amorosidade. Assim, desenvolve-se um padrão de convivência saudável.”
Não tenha dúvida: a falta de limites é a grande vilã dos problemas familiares. E a chance disso acontecer é cada vez maior, já que os tempos mais ‘liberais’ levam à mistura de papéis e deixam muitas pessoas perdidas. “Os pais podem ser próximos, informais, acessíveis, mas não perder a sua função principal – que é a de orientar e dar limites. Tem que deixar claro quem é o adulto, e agir de acordo”, sustenta Marília Castello Branco.
De fato, alguns pais não conseguem controlar os filhos, que por sua vez se sentem desamparados na sua pseudo-liberdade. “O resultado disso é o desequilíbrio emocional, que não raro leva o indivíduo a agir com violência, sem dialogar, ou a se tornar extremamente permissivo, achando que tudo pode. Em relação à criança e ao adolescente, o que é excessivo, prejudica. Eles vão se defender buscando objetos que preencham o vazio deixado pela falta de vivências significativas”, completa Araceli Albino.
Auxílio psicológico pode ser valioso
Se acontecer o pior e as relações familiares se tornarem insustentáveis, o melhor a fazer é parar, refletir e cada um tentar se perceber dentro daquele contexto. A partir daí, olhar o outro além de si mesmo e, claro, conversar.
Muitas vezes, a solução está na nossa frente – mas não queremos encará-la porque o processo pode ser doloroso. Caso o diálogo não ajude, talvez seja o caso de procurar auxílio profissional, com a intermediação de um terapeuta de família. “A psicanálise considera que o psiquismo é constituído pelas relações familiares. Assim, a nossa ‘novela familiar’ é que determinará as nossas emoções, nossos sentimentos, a estrutura de caráter do nosso ego.
Se a criança tiver um lar equilibrado, irá introjetar uma lei que a protege, ou seja, saberá o que é bom e o que é mau, o que pode e o que não pode. Aprenderá que o amor é conquistado e, para isso, cada um tem que fazer a sua parte. Ela se enxergará e também a existência e importância do outro, condições essenciais para se estabelecer relações saudáveis”, conclui Araceli Albino.
fonte:http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2012/09/28/para-se-ter-uma-familia-saudavel-e-importante-cada-um-assumir-seu-papel-dizem-terapeutas.htm
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